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DIÁRIO DE BORDO

Voz Lunar Voz Solar

14/8/2018

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Vinda da Trofa, recebemos a Ana Cruz, colega do Rodrigo já desde o tempo da ESE. Viemos a descobrir que agora é ela quem dá aulas, desde a creche ao secundário. Apesar de apontar como música mais recorrente a do “bom dia”, que canta a cada amanhecer com uns miúdos de três e quarto anos, só se conseguia mesmo lembrar da canção de despedida, bastante semelhante melodicamente. Em modo de férias, parece ter apagado da memória todas as melodias relativas à escola, e até os nomes dos próprios alunos, como nos contou sobre um incidente por que passou recentemente, muito constrangedor! Lembrou-se ainda da canção do Chico Buarque (com interpretação da Maria João e Mário Laginha) chamada “Beatriz”, mas pelos vistos, recordar-se da letra é que já foi mais difícil. No entanto cantou-nos ainda um extenso extrato sem vacilar, e explicou-nos que a letra, apesar de ser sobre uma atriz, pode referir-se a como cada um passa pela sua vida, de forma mais ou menos autêntica.

Para quem não é mesmo do Porto, parece entusiasmar-se muito pelo sotaque do “puoarto”, e pelas vozes de quem não se importa de pôr a conversa em dia, publicamente, a meio de qualquer situação. Recorda os tempos em que apanhava o autocarro ali nos Aliados para o Campo Alegre e ouvia das dores da vida, sobre desgostos vários, sobre as doenças... mas a páginas tantas a conversa já era sobre a rede de troca de boatos a alta velocidade que se dá em vilas como a Trofa. Em seguida escolheu um fragmento com palavras soltas, ou antes, interligadas por percursos similares aos dos autocarros. Qualquer trilho à escolha facultava paragens em estações como “solidão”, “nome”, “grito” etc. Passou por quase todas elas, só não parou em “fruta”, que parecia não ter acesso por entre as linhas que seguia. Em vez disso, deixou-se ficar mais tempo em “liberdade”, para melhor apreciar as vistas. Antes de nos despedirmos, já o Bertand entrava novamente, desta vez com a sua guitarra predileta. Lá nos formalizou a prometida performance de peso da peça do Ferneyhough, e ainda trouxe e deu uso ao seu e-bow, numa tentativa de se reconciliar com a guitarra da Sara.

Mesmo antes de fecharmos o estabelecimento, tivemos a tão esperada visita da Leonor Parda! Foi desde o início do projeto que decidimos contar com ela, e vejam que a só conseguimos agarrar já bem perto de se esgotarem os benditos dias de gravação. Com o avançar das horas pela tarde a dentro, estávamos a ver a coisa a prolongar-se desmedidamente, com a visita do Gonçalo e do Laranjeira, com quem nos demos aos descarrilamentos das cantorias avulsas e das fotografias para o Instagram. Uma nota sobre o Instagram: temos um, mas está mortiço, e assim o estava o da Rua do Sol, bem desnutrido. O Laranjeira reanimou-o com alguns recortes dos últimos dias. Ainda apareceu aí o Babo que se despedia, - já ansioso para ir de férias - e o Zé, que ainda presenciou o início da gravação da Leonor, mas que depois atendeu um telefonema, escapulindo-se para sempre. Após várias peripécias, o público hoje resumiu-se ao Gonçalo. Normalmente não o há de todo.

Temos que admitir que ficámos surpreendidos com o poder vocal da Leonor, porque na verdade ainda não a tínhamos ouvido em modo performativo. Gosta de estar em frente ao microfone, e com efeito sabe trabalhar com ele. Falou-nos da Diamanda Galás e da Nina Hagen, mas não foi preciso tê-las presentes para ficarmos com o registo de um intenso e robusto par de interpretações vocais da “African Reggae” e da “The Litanies of Satan” do Baudelaire. Considera ter sido marcante começar a ouvir Freddie Mercury no carro, com a mãe, no caminho entre casa e escola. Todavia - como a uma dada altura se extravia todo o percurso - começou a pedir discos emprestados ao tio, e aí começou a preocupar-se a mãe com as inclinações musicais da filha, que se tornavam certamente mais tenebrosas e se deleitavam por um certo lado mais obscuro. “Sabe-se lá em que é que tudo aquilo poderia dar!” Nós cá achamos que o caso correu lindamente, pois se calhar sem elas a Leonor viveria na ausência da garra que hoje nos mostrou não lhe faltar!

Quando chegou, disse não estar muito inspirada, mas para além de nos ter abalado com uma primeira performance, já com o Rodrigo fez por atingir o mais alto nível em interpretação de notação não convencional. Escolheu uma série de pequenos diagramas, que mostravam pontos - representantes de pessoas ou objetos - que trocavam de sítio constantemente. O que ao início parecia ser um pouco confuso, rapidamente se clareou, com uma atuação convicta que durou uns bons dez minutos. Muniu-se de um bombo de chão e cantou imaginativamente, enunciando de forma regrada o que fazia por secções, numerando-as uma a uma, comportando a cada volta variações oportunas de diferentes modos de improvisação.

Jantámos com o Gonçalo aqui perto. Evitámos a fila do Guedes, pois havia muitos turistas, mas quedámo-nos pelos nos Poveiros. Foi a sopa do dia que alimentou estas últimas linhas. 
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    Autores

    Rodrigo B. Camacho
    Sara Rodrigues

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