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DIÁRIO DE BORDO

Os Tons do Sol

13/8/2018

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Hoje entrámos mais cedo porque a Inês Lapa apareceu, como prometido, na sua hora de almoço. Tomámos isto como louvor, já não é qualquer um que dispensa dessa preciosa hora durante um dia de trabalho para vir gravar connosco! Ligámos logo o material e entrámos em modo de entrevista. A Inês, com quem já tínhamos falado outro dia sobre o projeto, veio prevenida com a sua pequena caixinha de música, pois ouvia-a sempre no quarto quando era pequenina. Começou a aprender piano, tocando Schubert, por uma partitura que a sua própria avó transcrevera à mão! Como nos dizia com um sorriso maroto que “quem conta um conto acrescenta um ponto”, presume que a versão que tem na memória é provavelmente isso mesmo: uma versão ligeiramente diferente da original. E riu-se com gosto pela infração à lei do objeto fechado e consagrado dos eruditos!

Cantou-nos ainda uma música dos GAC sobre o pôr do sol, politicamente associada à tensão dual entre o trabalho e o descanso (que mesmo em contraponto do esforço, o reflete). Contudo, a superar toda a seriedade, como não podia deixar de ser, mais uns gritos de gaivota. Depois, pegou numa tabela com algumas iniciais, alguns códigos, uma frase completa, mas muitas incógnitas. Em conversa estilo ping- pong com o Rodrigo, conseguiu vir a desvendar uma quantidade considerável de detritos composicionais, que usou, tal qual fragmentos arqueológicos, para reconstituir uma frase inteira, de métrica arrojada, que muito se aproximou da versão final da obra na qual foram utilizados todos estes materiais.

Pensámos que seria a única entrevistada do dia, mas nisto entra a Leonor que não contávamos receber tão cedo. Vinha animada, com o seu cão Sirius e disposta a marcar entrevista. “Estão aí amanhã?”. Afinal não era para hoje, mas não tardou, avançou com mais uma carrada de músicos que ainda poderíamos contactar - incluindo mulheres - porque realmente a Inês foi a única, depois de uma data de dias a abarrotar de homens músicos. Sem que nos apercebêssemos, entrava já pelo Sol o seu amigo Bertrand. Veio também a sua amiga Sara e, não tardava, já estavam as duas sentadas no chão à espera da entrevista que emergia. Como é guitarrista de música contemporânea, a Leonor juntou-o oportunamente à ocasião. Bertrand, já sentado na cadeira, contava-nos que tinha pais mexicanos mas tinha nascido em Lyon.

Ficámos bastante impressionados por saber que tinha estudado a única peça para guitarra do Brain Ferneyhough de cór! Pedimos que exemplificasse um pouco na guitarra, mas a única que estava à mão era uma que a Sara tinha lá para casa, e que já não lembra de como foi lá parar. Ainda tentou estar à altura do desafio mas disse entretanto que, para além da qualidade da guitarra em si, precisava mesmo das marcas visuais da sua guitarra de estimação, que tinha ficado em casa. Gravaremos então as partes musicais de alto calibre já amanhã, para que consiga executar as técnicas contemporâneas com o devido primor.

Chegando aos sons característicos do Porto, lá voltavam o raio das gaivotas a aparecer, desta vez exemplificadas com uma garrafa de Super Bock a deslizar em modo slide pelas as cordas abaixo. Depois ainda se foi lembrar do som das maquinas nas oficinas das Belas Artes. Achámos que iríamos receber uns escassos momentos de re-interpretação, mas presenteou-nos com um “concerto” de máquinas nas cordas que quase dominou o serão, que todavia acabou com outro tipo de demonstração. Olhando para uma nota introdutória de uma das peças do Rodrigo, içou um cariz puramente técnico para elucidar os ouvintes sobre a variedade sonora que diferentes pressões aplicadas sobre as cordas podem produzir.

Eram já quase oito e meia da noite quando nos apressámos até à Rua Passos Manuel, pois tínhamos combinado ir hoje gravar o dito pôr do sol que, apesar de ter sido hoje cantado pela Inês, tinha-nos já sido referenciado como som-imaginário de eleição da Sara Rafael. Aproveitando os amarelos e alaranjados, pusemo-nos ainda na fila para o Guedes, de microfone na mão - claro - a jeito de captar os velhos comentários descritos pelo José Valente como típicos duma tasca bem portuense. O Zé ainda nos convidou para jantar na rua ao lado, mas já estávamos na fila e, quem é que consegue resistir ao Guedes? Fomo-lo encontrar com uns outros poucos, a seguir, a tempo de uma baba de camelo bem cor de caramelo. Voltámos para o Sol já às escuras, e daqui a nada já entramos no dia seguinte... 
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    Autores

    Rodrigo B. Camacho
    Sara Rodrigues

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